Simbolismo do Movimento Prevencionista no Brasil
- Sandro Azevedo
- 17 de set.
- 9 min de leitura
Atualizado: 22 de set.

O movimento prevencionista no Brasil vai muito além de estatísticas e normas de segurança. Ele é um reflexo complexo da nossa história social e industrial, carregado de simbolismos que moldam a percepção de segurança, trabalho e vida. Em sua essência, o simbolismo desse movimento se manifesta de três formas principais:
Símbolos Visuais e Tangíveis: São os elementos que vemos no dia a dia. O capacete, por exemplo, é mais que um equipamento de proteção; é um símbolo de resistência e cuidado, uma barreira entre o trabalhador e o perigo. O colete de sinalização em laranja ou amarelo fluorescente simboliza a visibilidade e o alerta, a prioridade da vida em ambientes de risco. A cruz-vermelha, frequentemente usada em sinalizações de primeiros socorros, evoca a ideia de assistência e a esperança de socorro imediato. Esses símbolos visuais criam uma linguagem comum que todos entendem, independentemente do setor ou da profissão.
Símbolos Narrativos e Históricos: A história da prevenção no Brasil é contada através de narrativas de superação e luta. O próprio movimento sindical e a luta por melhores condições de trabalho simbolizam a resistência do trabalhador contra um sistema que, por muito tempo, negligenciou sua segurança. Casos de grandes acidentes, como o incêndio no Edifício Joelma em 1974, tornaram-se marcos simbólicos que representam a urgência de uma mudança nas regulamentações e na cultura de segurança. Esses eventos se tornam referências que a sociedade usa para lembrar por que a prevenção é tão necessária.
Símbolos Culturais e Sociais: A cultura prevencionista é construída em torno de valores que a sociedade associa à ideia de cuidado e responsabilidade. O ato de um colega alertar o outro sobre um perigo não é apenas uma norma de segurança, mas um símbolo de solidariedade e de que "a segurança é responsabilidade de todos". A ideia de que "o trabalho não vale uma vida" é uma frase que se tornou um símbolo de um princípio ético, mostrando que a produtividade e o lucro jamais podem estar acima da saúde do trabalhador. A própria imagem do “trabalhador seguro” simboliza não só a competência técnica, mas também a inteligência e a prudência.
Em suma, o simbolismo do movimento prevencionista no Brasil se manifesta na forma como a sociedade lida com a dicotomia entre risco e proteção. Ele traduz ideias complexas em símbolos simples e poderosos, que reforçam a importância de proteger a vida e o bem-estar acima de tudo.
O Brasil enfrenta um cenário alarmante em relação à segurança e saúde do trabalhador, com dados que, mesmo em queda em alguns períodos, ainda colocam o país entre os mais perigosos para se trabalhar.
Acidentes de trabalho: A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE, registrou uma queda no número de acidentes de trabalho. No entanto, dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que o número de acidentes de trabalho notificados no Brasil ainda é alto. Em 2023, por exemplo, o Brasil registrou 612.920 acidentes de trabalho. O setor de saúde foi o que registrou o maior número de acidentes, seguido pelo de comércio e serviços.
Mortes no trabalho: O Brasil registrou mais de 2.500 mortes no trabalho em 2023. O setor de transporte, armazenagem e correio foi o que registrou o maior número de mortes, seguido pelo de construção civil e agricultura.
Os dados demonstram que, apesar dos avanços, ainda há um longo caminho a percorrer para garantir a segurança dos trabalhadores no país.
Para reverter esse cenário, é preciso uma abordagem multifacetada, envolvendo não apenas a legislação, mas também uma mudança cultural. Na nossa visão, as medidas mais urgentes são:
Fiscalização Mais Rigorosa e Efetiva: O número de fiscais do trabalho no Brasil é insuficiente para cobrir todas as empresas. É crucial aumentar o efetivo e garantir que a fiscalização seja mais frequente e rigorosa, com penalidades severas para empresas que descumprem as normas de segurança.
Investimento em Capacitação e Educação: A maioria dos acidentes ocorre por falta de conhecimento ou negligência. É fundamental investir em programas de educação e capacitação para trabalhadores e gestores, desde o ensino técnico até a universidade. A conscientização deve começar cedo e ser contínua.
Tecnologia e Inovação: O uso de novas tecnologias, como sensores em equipamentos, inteligência artificial para prever riscos e o uso de realidade virtual para simular situações de perigo, pode ajudar a reduzir acidentes. É preciso incentivar a adoção dessas tecnologias nas empresas.
Fortalecimento da Cultura de Prevenção: A segurança não pode ser vista como uma responsabilidade apenas da empresa, mas de todos. É preciso criar uma cultura em que os trabalhadores se sintam à vontade para relatar riscos e se preocupem com a segurança dos seus colegas. Isso passa por incentivos, campanhas de conscientização e um ambiente de trabalho que valorize a vida.
Parcerias entre Setor Público e Privado: Governos, sindicatos, empresas e trabalhadores devem trabalhar juntos na criação de políticas públicas eficazes e no compartilhamento de boas práticas. A colaboração é a chave para o sucesso.
Ao unir uma fiscalização mais robusta com uma mudança cultural profunda, o Brasil poderá finalmente reverter o quadro de acidentes e mortes no trabalho e construir um futuro mais seguro e justo para todos os seus trabalhadores. Para contextualizar a gravidade do cenário de acidentes de trabalho no Brasil, é essencial analisar os dados por estado. O ranking a seguir mostra a distribuição de notificações de acidentes e mortes, revelando a concentração dos casos nas regiões mais industrializadas e populosas do país.
Ranking de Acidentes de Trabalho por Estado
Os dados mais recentes do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram uma realidade preocupante. A distribuição de acidentes não é homogênea, refletindo a concentração econômica e a diversidade de setores em cada região.
Abaixo, um panorama geral com base nos dados mais recentes disponíveis (notificações em 2022/2023):
São Paulo: Lidera o ranking com o maior número de notificações, concentrando uma parcela significativa do total de acidentes do país. O estado, por ter a maior população economicamente ativa e um setor industrial vasto, naturalmente registra um volume maior de ocorrências.
Minas Gerais: O estado, com sua forte presença nos setores de mineração, agronegócio e indústria, aparece em segundo lugar nas estatísticas de acidentes.
Rio Grande do Sul: Um dos estados com maior volume de acidentes no Sul do país, com destaque para os setores de agricultura e metalurgia.
Santa Catarina: O estado, com um forte setor industrial, também se destaca no ranking, figurando entre os primeiros em número de acidentes.
Rio de Janeiro: A concentração urbana e a diversidade de setores, como o de serviços e a indústria de petróleo, contribuem para que o estado figure entre os primeiros no ranking nacional.
É importante ressaltar que os dados absolutos podem ser enganosos. Estados com maior população e maior número de empregos formais, como São Paulo, tendem a ter mais acidentes registrados. Por outro lado, a subnotificação é um problema grave no Brasil, especialmente em estados com menor desenvolvimento econômico ou em setores com alta informalidade.
Os números revelam uma falha sistêmica que vai além da fiscalização. No nosso entendimento, a redução de acidentes e mortes no Brasil exige ações focadas em três pilares:
Cultura de Prevenção: É preciso mudar a mentalidade de que a segurança é apenas uma obrigação legal. As empresas devem adotar a prevenção como um valor central, com investimentos em treinamentos contínuos, campanhas de conscientização e um ambiente onde os trabalhadores se sintam seguros para relatar riscos sem medo de represálias.
Uso de Tecnologia: A tecnologia pode ser uma aliada poderosa. O uso de Inteligência Artificial para análise de dados pode identificar padrões de risco e prever acidentes antes que eles ocorram. Sensores em equipamentos podem monitorar condições de trabalho e alertar sobre perigos iminentes.
Fortalecimento das Instituições: O Brasil precisa de mais auditores-fiscais do trabalho para garantir a fiscalização efetiva em todo o território nacional. Além disso, é crucial fortalecer a atuação do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho na punição de empresas que não cumprem as normas de segurança, o que serve como um forte desincentivo à negligência.
A segurança do trabalho não pode ser vista como um custo, mas como um investimento na vida das pessoas e na produtividade do país. Essa realidade alarmante de acidentes de trabalho no Brasil está intrinsecamente ligada a traços culturais que se manifestam em diferentes esferas da sociedade. Na nossa análise, os mais predominantes são:
O famoso "jeitinho" é a busca por soluções rápidas e informais para contornar regras e burocracia. No contexto da segurança do trabalho, isso se traduz em:
Improvisação em vez de Planejamento: Em vez de seguir os procedimentos de segurança padrão, muitas vezes se improvisa uma solução para o problema, ignorando os riscos envolvidos.
Negligência da Normas: As normas de segurança (NRs) são vistas como obstáculos e não como ferramentas para proteger vidas. O "jeitinho" encontra atalhos para pular etapas de segurança e agilizar o processo.
Subnotificação de Acidentes: Para evitar multas ou burocracia, acidentes são muitas vezes tratados internamente sem a devida notificação aos órgãos competentes.
2. O Desvalor da Vida Humana
Embora seja um tema delicado, a cultura do desvalor da vida humana se manifesta de forma sutil e muitas vezes inconsciente.
Foco no Lucro: O lucro é colocado acima da vida do trabalhador. A segurança é vista como um custo e não como um investimento.
Pressão por Resultados: A produtividade a todo custo, o cumprimento de prazos apertados e a pressão por metas elevadas levam à tomada de riscos desnecessários. O trabalhador se sente pressionado a ignorar a segurança para não perder o emprego ou ser penalizado.
Falta de Valorização do Trabalho Manual: Historicamente, o trabalho manual tem sido desvalorizado no Brasil. Essa desvalorização se estende à segurança desses trabalhadores, que muitas vezes são vistos como "recursos substituíveis".
3. A Cultura da Impunidade
A falta de punição efetiva para os responsáveis por acidentes de trabalho contribui para a perpetuação do problema.
Burocracia e Morosidade na Justiça: Casos de acidentes graves demoram anos para serem julgados, e a punição é muitas vezes branda ou inexistente. Isso cria uma sensação de que não haverá consequências para a negligência.
"Culpa da Vítima": É comum que a culpa do acidente seja transferida para o próprio trabalhador, que é acusado de negligência ou imperícia, ignorando a responsabilidade da empresa em fornecer um ambiente de trabalho seguro.
Esses traços culturais, enraizados na nossa sociedade, atuam como barreiras para a efetivação de uma cultura prevencionista no Brasil, e para mudar esse cenário é necessário um esforço coletivo para transformar a forma como valorizamos a vida e o trabalho.
Com base na realidade atual do país, podemos projetar um futuro para a segurança do trabalho em dois cenários principais: um pessimista, que é a continuação do "estado de coisas" atual, e um otimista, que depende de uma mudança radical de cultura e políticas.
Cenário 1: O Futuro Pessimista
Se os traços culturais de "jeitinho", impunidade e desvalor da vida persistirem, o futuro do Brasil no cenário de segurança do trabalho será sombrio.
Estagnação nos Dados: O número de acidentes e mortes pode até ter pequenas variações, mas a taxa geral de acidentes de trabalho por trabalhador permanecerá alta. O Brasil continuará a ser um dos países mais perigosos para se trabalhar, com pouca ou nenhuma melhoria significativa.
Aumento da Subnotificação: Para evitar fiscalização e multas, empresas podem intensificar a prática de não notificar acidentes, o que tornaria os dados oficiais cada vez menos confiáveis e dificultaria a criação de políticas públicas eficazes.
Judicialização Excessiva: A falta de prevenção nas empresas levará a um aumento de processos na Justiça do Trabalho, sobrecarregando ainda mais o sistema e prolongando a dor e a incerteza para as famílias das vítimas.
Perpetuação do Sofrimento: Milhares de famílias continuarão a sofrer com a perda de um ente querido ou com a incapacidade de um trabalhador, com impactos sociais e econômicos devastadores.
Cenário 2: O Futuro Otimista
Este cenário só é possível se houver um esforço conjunto e uma mudança profunda de mentalidade em toda a sociedade.
Dados em Queda Acentuada: O Brasil passaria a registrar quedas significativas e contínuas no número de acidentes e mortes. Com a tecnologia atuando na prevenção e na fiscalização e a legislação se tornando mais rigorosa, as empresas teriam mais incentivos para investir em segurança.
Cultura de Prevenção como Prioridade: A segurança passaria a ser vista como um investimento, não um custo. Empresas que priorizam a segurança seriam vistas como modelos de excelência e ética. A valorização da vida do trabalhador seria um pilar da cultura empresarial.
Redução da Impunidade: A Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e os auditores-fiscais teriam mais recursos e apoio para atuar. A punição se tornaria mais rápida e eficaz, servindo como um desincentivo real para a negligência.
Melhora da Qualidade de Vida: Com menos acidentes, a qualidade de vida dos trabalhadores e de suas famílias melhoraria, e os recursos do sistema público de saúde seriam liberados para outras áreas, gerando benefícios para toda a sociedade.
O futuro que projetamos para o Brasil depende de uma escolha: continuar com a cultura de improvisação e negligência ou abraçar a segurança como um valor inegociável. A tecnologia e as políticas públicas são as ferramentas, mas a mudança de mentalidade é o motor para a transformação.
É fundamental que a sociedade brasileira e as autoridades reconheçam que os acidentes de trabalho não são fatalidades, mas sim falhas sistêmicas. Os dados, as histórias de dor e os traços culturais de negligência apontam para uma realidade inaceitável.
É hora de questionar: por que ainda aceitamos que o lucro e a velocidade superem a vida e o bem-estar? A segurança do trabalho não é um custo ou um obstáculo; é um direito fundamental.
O Brasil precisa de uma mudança urgente. As autoridades devem intensificar a fiscalização, modernizar a legislação e garantir a punição de quem coloca vidas em risco. A sociedade, por sua vez, deve valorizar a vida do trabalhador acima de tudo, exigindo condições de trabalho seguras e dignas. A realidade é dura, mas a transformação está em nossas mãos. Precisamos de um novo pacto social, onde cada vida importe e a segurança seja, finalmente, um pilar inegociável do nosso desenvolvimento.
Para alcançar um simbolismo representativo do movimento prevencionista no Brasil, precisamos ir além de campanhas pontuais e transformar a prevenção em um valor central da nossa cultura. Isso exigirá a união de diversos elementos que, juntos, criarão uma nova narrativa e uma nova identidade para o movimento.
Sandro de Menezes Azevedo
Presidente/SINTEST-SE
Presidente/ASPROTEST
Diretor de Formação Sindical e Qualificação Profissional/FENATEST
Idealizador/CONGREST




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