Segurança do Trabalho: Um Olhar Crítico na Contramão da Ordem e do Progresso
- Sandro Azevedo
- 22 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 7 dias

O lema inscrito na bandeira nacional “Ordem e Progresso” sempre carregou em si uma promessa de modernização, desenvolvimento e civilidade. No entanto, sob a ótica do trabalho, essa narrativa revela contradições profundas. O chamado “progresso” materializa-se, muitas vezes, à custa da saúde, da dignidade e até da vida dos trabalhadores, enquanto a “ordem” significa, não raras vezes, disciplinar corpos e silenciar vozes em nome da produtividade. Neste contexto, a segurança do trabalho, que deveria ser um eixo estruturante da proteção à vida, encontra-se tensionada entre avanços normativos e retrocessos práticos. Um olhar crítico “na contramão” é, portanto, necessário para desnudar as contradições entre os discursos de modernização e a realidade cotidiana de exploração e precarização que marcam o mundo do trabalho.
O capitalismo brasileiro, marcado por desigualdades históricas, carrega uma peculiaridade: o progresso é frequentemente seletivo. Se de um lado há modernização tecnológica, de outro permanece a precarização das condições de trabalho. A expansão industrial, agrícola e de serviços, em nome do desenvolvimento, tem produzido números expressivos de acidentes e doenças ocupacionais. A segurança do trabalho, nesse sentido, não acompanha a retórica oficial de progresso. Ao contrário, os índices de adoecimento e morte laboral expõem que a modernidade se constrói sobre bases arcaicas, em que a vida é secundarizada diante da produtividade.
A ideia de “ordem” no mundo do trabalho assume um caráter disciplinador. Como afirma Foucault (1975), os mecanismos de poder operam não apenas pela lei, mas também pelo controle dos corpos. A segurança do trabalho, muitas vezes, é apropriada por empresas como ferramenta de disciplina: treinamentos protocolares, manuais de conduta e cartilhas de “comportamento seguro” deslocam a responsabilidade coletiva para o indivíduo, transformando o trabalhador em culpado por acidentes que decorrem de condições estruturais inseguras. Assim, em vez de proteger, a segurança do trabalho pode ser ressignificada como um dispositivo de poder, voltado a manter a ordem produtiva e ocultar as falhas do processo organizacional.
O Brasil possui um dos conjuntos normativos mais robustos do mundo em segurança do trabalho, materializado nas Normas Regulamentadoras (NRs). Contudo, sua operacionalização enfrenta entraves:
Redução das estruturas de fiscalização trabalhista;
Políticas neoliberais que flexibilizam normas sob o argumento de “modernização”;
Cultura empresarial que trata a segurança como custo e não como direito.
Esse descompasso entre norma e prática evidencia que a ordem e o progresso, em sua versão capitalista, frequentemente operam contra a vida, restringindo a eficácia da proteção legal.
Estar “na contramão” significa recusar a narrativa de que a segurança do trabalho é incompatível com o desenvolvimento. Pelo contrário, significa afirmar que não há progresso legítimo quando trabalhadores continuam adoecendo e morrendo em nome da produtividade.
Esse olhar crítico exige:
Reconhecimento da centralidade do trabalho vivo na produção da riqueza;
Fortalecimento da fiscalização estatal e das instituições públicas de proteção;
Valorização da organização coletiva e da ação sindical como ferramentas de resistência;
Transformação da cultura organizacional, colocando a vida acima do lucro.
A segurança do trabalho, quando analisada criticamente, revela-se como campo de disputa entre a promessa do progresso e a realidade da exploração. A ordem e o progresso, tal como formulados sob a ótica do capital, têm servido para disciplinar corpos e justificar a precarização. Na contramão, a crítica à segurança do trabalho aponta para a necessidade de inverter prioridades: a vida humana deve prevalecer sobre a acumulação, e a dignidade do trabalhador deve ser fundamento, e não obstáculo, do verdadeiro progresso social.
Sandro de Menezes Azevedo
Presidente/SINTEST-SE
Presidente/ASPROTEST
Diretor de Formação Sindical e Qualificação Profissional/FENATEST
Idealizador/Safenation Brasil
Idealizador/CONGREST/FESP




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