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A Operacionalização das Normas Regulamentadoras sob as Grades da Selvageria Capitalista

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As Normas Regulamentadoras (NRs) constituem um dos principais instrumentos jurídicos e técnicos para a promoção da saúde e segurança do trabalho no Brasil. Criadas a partir da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e atualizadas continuamente, elas estabelecem parâmetros obrigatórios para empregadores e trabalhadores. Contudo, ao serem transpostas para o chão de fábrica, para os canteiros de obras e para os setores de serviços, essas normas enfrentam um obstáculo que extrapola a esfera técnica: a lógica de acumulação e exploração típica do modo de produção capitalista. Neste contexto, a operacionalização das NRs não se limita à dimensão normativa, mas se converte em um terreno de disputa entre a proteção da vida e da dignidade humana e as engrenagens da chamada “selvageria capitalista”, onde o lucro tende a se sobrepor à existência.


O capitalismo, em sua essência, impõe ao trabalhador a condição de mercadoria. Sua força de trabalho é vendida em troca de salário, e este, por definição, é sempre inferior ao valor gerado. Essa equação, que sustenta a acumulação, só se viabiliza mediante a intensificação da produtividade e a redução de custos, frequentemente à custa da saúde e da segurança.

Nesse cenário, as NRs aparecem como barreiras civilizatórias. São tentativas de impor limites mínimos à degradação humana, regulando aspectos como ergonomia, exposição a agentes químicos e biológicos, riscos elétricos, trabalho em altura, entre outros. No entanto, a operacionalização dessas normas frequentemente encontra resistência patronal, seja por negligência, seja por tentativas de flexibilização legislativa, seja por mecanismos de “cumprimento formal” que mascaram realidades de insegurança.


A aplicação prática das NRs revela uma contradição estrutural. Por um lado, o Estado pressionado por sindicatos, movimentos sociais e organismos internacionais estabelece padrões mínimos para evitar o adoecimento e a morte. Por outro lado, o mesmo Estado, imerso em políticas neoliberais, reduz a fiscalização, desmonta estruturas de inspeção do trabalho e promove reformas que visam à “modernização” das relações laborais, o que na prática significa precarização.


Essa contradição faz com que, na realidade concreta, muitas NRs se tornem “grades simbólicas”: estão escritas, podem até ser conhecidas, mas não impedem a brutalidade do processo produtivo. Assim, o trabalhador se encontra preso entre a letra da lei e a dureza da produção: uma prisão invisível que ecoa a selvageria capitalista.


A ideologia gerencial contemporânea, orientada pela maximização da eficiência, frequentemente reinterpreta as NRs não como garantias, mas como entraves burocráticos a serem superados. Surgem, então, certificações superficiais, treinamentos meramente protocolares e campanhas de segurança que culpabilizam o trabalhador por acidentes, deslocando a responsabilidade coletiva para o indivíduo. Desse modo, a operacionalização das NRs é cooptada pela lógica empresarial, que transforma a norma em produto, vendida por consultorias, manuais e pacotes de compliance, esvaziando seu potencial emancipador.


Sob as grades da selvageria capitalista, as Normas Regulamentadoras tornam-se paradoxais: instrumentos necessários à preservação da vida, mas fragilizados por um sistema que coloca o lucro acima da dignidade humana. Sua operacionalização, portanto, é uma arena de luta política e social, e não apenas uma questão técnica ou administrativa.

Somente por meio da organização coletiva dos trabalhadores, da atuação firme de sindicatos e do fortalecimento da fiscalização estatal é que as NRs podem cumprir sua função essencial: ser não apenas normas em papel, mas ferramentas de resistência contra a barbárie cotidiana do mundo do trabalho.


Sandro de Menezes Azevedo

Presidente/SINTEST-SE

Presidente/ASPROTEST

Diretor de Formação Sindical e Qualificação Profissional/FENATEST

Idealizador/Safenation Brasil

Idealizador/CONGREST/FESP

 
 
 

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Sandro Azevedo
Sandro Azevedo
26 de set.
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Quando o imperativo do lucro se sobrepõe à vida, a prevenção perde sua essência, o trabalho torna-se mercadoria descartável e a dignidade humana é algemada pela lógica da exploração.

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